Cenários da mudança do clima na mobilidade da Região Metropolitana do Rio de Janeiro

Alberto Lopes

A Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) tem hoje pouco mais de 12 milhões de habitantes, sendo cerca da metade residente na capital do Estado. Trata-se de um espaço altamente concentrador de comércio, serviços, amenidades e oportunidades de trabalho na capital, não somente na modalidade do emprego formal, mas também do informal, o que induz a um padrão de viagens de passageiros que tende a afluir em massa para os centros mais dinâmicos da cidade do Rio de Janeiro.

A posição excêntrica da área central da metrópole junto ao mar e sob a forte interseção geográfica da Baía da Guanabara e de maciços montanhosos nesse extenso espaço metropolitano induziu a uma urbanização e a um padrão de mobilidade radio concêntrico e canalizado em poucos eixos estruturais de transporte. Isso diz respeito tanto os acessos rodoviários quanto às linhas férreas suburbanas. Além do sítio geográfico fortemente indutor, razões históricas explicam esse padrão de deslocamentos, por origens e destinos de viagens, com as maiores centralidades na capital e uma periferia mais fornecedora de mão de obra para a grande metrópole. O caso é bastante diferente das regiões metropolitanas, por exemplo, de Salvador e de São Paulo.

Sistema de Transporte Público de Média e Alta Capacidade
Fonte: PDTU, cenário 2016

O fato importante para os propósitos aqui considerados é que o sítio geográfico e o padrão de urbanização da RMRJ, particularmente no quesito mobilidade, apresentam um significativo grau de exposição aos efeitos esperados da mudança do clima. A literatura especializada já disponível sobre cenários da mudança climática na região, e mesmo observações empíricas possíveis de serem intuídas a partir do conhecimento das infraestruturas do sistema de transporte de média e alta demanda na região, apontam os seguintes fenômenos de ameaças a serem consideradas na mobilidade metropolitana:

  • Elevação do nível médio do mar e ondas;
  • Escorregamentos de massa (em encostas);
  • Tempestades e vendavais;
  • Ilhas e ondas de calor;
  • Inundações.
Fonte: Nicolodi & Petermann, 2010 Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 2018

Particularmente sobre a elevação do nível médio do mar e ondas, as infraestruturas com maior grau de exposição são as do transporte aquaviário, notadamente do sistema de barcas com diversas linhas em operação para vários destinos na Baía da Guanabara. Para esse sistema deve-se considerar não somente as cotas de vulnerabilidade das estações de passageiros em si, mas também os impactos na segurança das viagens e da atracação, o que poderia inclusive exigir adaptação ou renovação das próprias embarcações. No caso do transporte aquaviário, como também se verá em outros modais, é preciso considerar ainda a exposição das oficinas de manutenção que atendem ao serviço de barcas e catamarãs situadas na Baía da Guanabara.

Dependendo dos cenários para a elevação do nível do mar, essa ameaça poderá exigir aumento da cota do cais ou atracadouros e, quem sabe mesmo, apontar a necessidade e providência de se adotar estruturas flutuantes de engenharia para essas estações de embarque e desembarque de passageiros. Esse padrão de projeto com flutuantes, já utilizado em outros países que já conviviam com esse tipo de situação ou se anteciparam com medidas preventivas radicais aos cenários da mudança do clima (caso exemplar dos Países Baixos) pode oferecer maior garantia e segurança para os investimentos futuros que serão demandados no assunto.

No entanto, além da exposição evidente das infraestruturas do transporte aquaviário ao aumento do nível do mar na geografia dos transportes da RMRJ, há que considerar várias outras situações relevantes e estratégicas para uma possível reconversão futura dos padrões de engenharia dos sistemas de transportes. A presença, por exemplo, de várias estações de metro e VLT próximas à Baía da Guanabara e mesmo de praias parece sugerir que se volte aos projetos dessas infraestruturas para que sejam verificados como foram considerados esses fatores nos seus respectivos projetos e, a partir daí, avaliar a segurança frente a cenários a serem construídos. E mesmo que os cenários de aumento do nível do mar sejam de baixo impacto, as inundações e ressacas decorrentes de situações extremas, como já ocorrem, podem colocar sob risco algumas infraestruturas de transportes. Passagens de nível que servem como suporte para meios de transportes, linhas de metrô (particularmente as Linhas 1 e 2) ou túneis subterrâneos, como o recentemente inaugurado na zona portuária da cidade do Rio de Janeiro, têm sua exposição exacerbada diante de eventos extremos.

Uma eventual elevação do nível do lençol freático em zonas da região pode também ocasionar inundações de instalações subterrâneas dos sistemas de transportes, galerias de distribuição de eletricidade, telefone, gás, etc., tubulações de abastecimento de água e tanques de armazenamento de combustível. Pontos críticos (ou mais críticos ainda) poderão surgir quando se combinarem aumento do nível do mar com precipitações extremas de chuvas que tendem a baixar das bacias hidrográficas da região para os seus desaguadouros naturais, sobretudo, na Baía da Guanabara, nas lagunas e nas praias. Vale observar a respeito que pelo menos dois grandes maciços montanhosos, o da Tijuca e o da Pedra Branca, mas também várias serras existentes na região contribuem com grandes cargas pluviométricas que deságuam nas partes baixas da região. Afinal a figura geomorfológica das chamadas “baixadas” está presente em grande escala na região, com as Baixadas de Jacarepaguá e Fluminense. As chuvas intensas costumam também provocar escorregamentos de massa que, para além da tragédia humana, contribuem para bloquear o trânsito.

Mapa de suscetibilidade a escorregamentos
Fonte: Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 2018
Dado apenas para a Cidade do Rio de Janeiro
Índice de Suscetibilidade do Meio Físico a Inundações (ISMFI)
Fonte: Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 2018
Dado disponível apenas para a Cidade do Rio de Janeiro

Somente a título de ilustração, a combinação de fatores extremos no espaço e no tempo é que provocou em 2008, em Itajaí-SC, sul do Brasil, o rompimento da infraestrutura de engenharia portuária do porto da cidade, um dos mais importantes do país, pela combinação de chuvas das mais intensas ocorridas no Vale do Rio Itajaí com a concomitante alta exacerbada da maré no mar.

Vale chamar a atenção também para o fato da Baixada Fluminense, grande alimentadora de viagens no sistema de transporte metropolitano da RMRJ, sobretudo dos sistemas ferroviário e rodoviário, ter sido objeto na década de 1940 de um ambicioso plano de saneamento que resultou em extensos aterros que podem vir a se tornar expostos nos cenários da mudança climática que se anuncia. Se confirmada essa possibilidade, muita atenção deverá ser dada a essa extensa área com alta concentração de moradores.

De todo modo, mesmo que os impactos da mudança do clima na RMRJ não colapsem diretamente cada uma das infraestruturas de transportes aqui consideradas, a experiência com as situações extremas e de emergências já vivenciadas na região mostra que os efeitos desses fenômenos na mobilidade, de fato, são sistêmicos. Isso quer dizer que os efeitos do clima gerando o colapso em um dos sistemas de transporte tenderá a se refletir nos demais, incluindo aqueles não considerados aqui. Isso quer dizer, por exemplo, que se colapsar por algum fenômeno o sistema de transporte por ônibus, historicamente bastante carregado de passageiros na região, os outros modais poderão ser intensamente demandados pelos excedentes de passageiros sem opção. O histórico das inundações nas ruas das cidades corresponde ao histórico de muitos colapsos nos sistemas de transporte na região.

Vale destacar o papel raro e relevante desempenhado pelo sistema do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) na integração estratégica de terminais que servem a diferentes modais de grande porte, favorecendo a conectividade de passageiros em relativos longos percursos no entorno do centro da capital. As linhas do VLT carioca integram um terminal Rodoviário (Rodoviária Novo Rio), um terminal ferroviário (Central do Brasil), um terminal aquaviário (Estação de Barcas / Rio.) e um terminal aeroviário (Aeroporto Santos Dumont). Atenção especial deve ser dada também à exposição particular de terminais e estações de passageiros dos diversos modais em foco. Se, diante dos cenários da mudança do clima, a garantia da mobilidade por vias férreas, aquáticas, vias seletivas de BRTs, ou eixos do VLT é fundamental, os terminais e estações constituem locais de aglomeração e de prestação de serviços aos passageiros. Precisarão ter suas arquiteturas e padrões construtivos também revisados para ganhar resiliência e atender com mais segurança e melhor desempenho às exigências que virão inclusive de tempestades, vendavais e ondas de calor, neste último caso com maior incidência prevista nos municípios da Baixada Fluminense.

Mapa de temperatura média às 15:00 horas, do verão 2012-2013
Fonte: Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 2018

Finalmente, trata-se de uma oportunidade não somente de planejar e efetivar a adaptação das infraestruturas de transporte existentes, mas também de revisar padrões e especificações para os futuros projetos e obras de engenharia de futuras expansões ou mesmo de novos investimentos em novas soluções de mobilidade na região.

Setembro de 2020