Panorama Recente das Entidades Metropolitanas no Brasil
Aspectos Gerais
Das nove Regiões Metropolitanas criadas no Brasil no início da década de 70 apenas a do Rio de Janeiro não conta mais com uma entidade formalmente vocacionada aos assuntos metropolitanos1. Todas surgiram da mesma matriz político-institucional, vinculando-se ao projeto nacional da tecnoburocracia do período que se explicitava a partir de um forte componente territorial que contemplava o fato metropolitano.
No que diz respeito à vinculação político-administrativa das entidades então criadas, todas foram fortemente atreladas aos Executivos Estaduais, mesmo funcionando sob formas jurídico-institucionais distintas. Vale lembrar que, no período considerado, até 1982 os Governadores dos Estados eram eleitos indiretamente por indicação do partido majoritário nas Assembléias Legislativas. Os Prefeitos das capitais, e portanto das metrópoles-sedes das Regiões Metropolitanas foram, até 1982, indicados pelo Presidente da República, situação que só se altera com a eleições de 1985. Os Prefeitos dos Municípios considerados de segurança nacional (caso de vários Municípios incluídos nas Regiões Metropolitanas), por sua vez foram também indicados, até 1985, pelo Presidente da República.
Em mais de 20 anos, essas entidades passaram por períodos de apogeu e de crise. O apogeu das entidades metropolitanas ocorreu no final da década de 70, portanto no momento em que começaram a mostrar os primeiros resultados, apoiadas política e financeiramente pelo Governo Federal. O apogeu elevou algumas dessas entidades à condição de verdadeiras instituições, fazendo-as ir além de respostas ao ambiente passando também a influenciá-lo, tanto pelo poder que representavam na implementação de políticas públicas quanto pela capacidade logística que adquiriram.
A crise do modelo federal de planejamento metropolitano foi desencadeada por, pelo menos, duas razões fundamentais. De um lado, a redemocratização e o concomitante fortalecimento de novos atores sociais expressando demandas não incluídas como prioridades na pauta de preocupações das entidades metropolitanas. De outro, o estancamento dos pesados investimentos federais que vinham sendo feitos nas Regiões Metropolitanas como lugares estratégicos de realização dos diversos tipos de capitais.
Enquanto se fortaleciam os movimentos sociais, os Governos de importantes Estados como Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Pernambuco, sedes de Regiões Metropolitanas, foram ocupados, em 1983, por políticos de oposição que, por sua vez, indicaram os Prefeitos das capitais, únicos a terem assento nos conselhos deliberativos das entidades.
O desmonte dos organismos federais atuantes no desenvolvimento urbano, promovido sobretudo no Governo Sarney, foi uma espécie de pá de cal no modelo federal de planejamento metropolitano, uma vez que as entidades ainda sobreviviam do apoio mínimo daqueles organismos. A Constituição Federal de 1988 atribuiu aos Estados Federados a competência para “instituir Regiões Metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões …, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum”. O modelo institucional porém ficou em aberto.
As indefinições institucionais ainda persistentes quanto à gestão metropolitana levantam toda sorte de especulações sobre o futuro. As atenções estão voltadas para os rumos que vem tomando a reforma do Estado, os pactos territoriais que se armam em busca de composições para a redução dos negócios públicos nas diversas regiões, os debates sobre democracia representativa x democracia participativa e outros temas candentes sobre o assunto. Está em jogo também o papel que deverá desempenhar a organização territorial nas políticas dos Governos Federal e Estaduais.
De qualquer modo vale a pena traçar um breve panorama da situação institucional das entidades metropolitanas do país. As heranças institucionais, sobre as quais deverão atuar os esforços de mudança no contexto atual, podem apontar debilidades e fortalezas a serem examinadas, além de indicadores mais ou menos seguros sobre as possibilidades de sucesso das alternativas a considerar.
As Formas Institucionais e a Organização Interna Básica
Das oito entidades metropolitanas existentes (a do Rio de Janeiro, está extinta), três (Curitiba, Belém e Fortaleza) estão constituídas como órgãos públicos da Administração direta dos seus respectivos Estados. Duas (Porto Alegre e Recife) estão constituídas como entidades fundacionais vinculadas a secretarias de governo. A de Belo Horizonte é uma autarquia. A de Salvador é uma paraestatal, constituída como empresa pública. A de São Paulo é, formalmente, uma sociedade anônima. Na prática, todas estão fortemente vinculadas ao comando de governo e às práticas administrativas dos Executivos Estaduais.
A forma de organização interna básica das entidades privilegiou as diretorias. As diretorias de administração e as diretorias técnicas são recorrentes. O número de empregados nessas entidades vai de um mínimo de 70 (Belo Horizonte) a cerca de 450 (Recife), sendo comum a prática de absorção de pessoal de outros órgãos do Estado, muitas da vezes sob regimes trabalhistas diferentes. O COMEC de Curitiba trabalha pela consolidação de uma estrutura de organização matricial combinada à autarquização da entidade. O METROPLAN, de Porto Alegre, funcionou, de 1980 a 1983, sob uma estrutura também matricial. Na EMPLASA está em curso uma experiência dos contratos de gestão firmados com a Secretaria de Planejamento e Gestão do Governo do Estado, à qual está vinculada. A EMPLASA, na verdade, é proponente e signatária desses contratos, assumindo compromissos com produtos, custos e prazos na realização de atividades e projetos específicos. Em São Paulo, a EMPLASA colabora ainda na institucionalização das Regiões Metropolitanas de Campinas e de Santos.
Uma das constatações mais evidentes sobre o processo de desenvolvimento institucional das entidades metropolitanas diz respeito à importância dos quadros técnicos qualificados para a afirmação do protagonismo dessas organizações. A natureza do trabalho das entidades, especializado e ao mesmo tempo buscando incrementar a atuação intersetorial, faz com que se atribuam certos poderes aos técnicos que tendem a concorrer com os poderes político-partidários que se articulam na condução dos negócios metropolitanos. Uma vez que o limiar entre o técnico e o político é muito tênue, não raro alguns profissionais tendem a se afinar explicitamente com as práticas político-partidárias dos titulares dos cargos das entidades, enquanto outros, ao contrário, procuram afirmar o seu papel em nome de uma neutralidade que lhes permitiria superar a síndrome das passagens dos mandatos eleitorais.
De qualquer modo, o conhecimento técnico pode constituir um enorme capital político capaz de alimentar o papel facilitador dessas entidades na resolução do planejamento e da gestão metropolitana. Nessa linha, os estudos e pesquisas, o fomento às ações de desenvolvimento regional e a manutenção de sistemas estatísticos e cartográficos representam insumos indispensáveis à ação tanto do sistema governamental quanto do sistema não-governamental no espaço metropolitano. O capital técnico tem permitido instrumentalizar a afirmação do enfoque metropolitano nos meios políticos, de comunicação e no próprio senso comum da população.
As entidades metropolitanas, em geral, vêm procurando responder à sua vocação de atuar nas ações intersetoriais e regionais. Guardadas as diferenças de prestígio com a época do seu apogeu, essas entidades, sobretudo pelo esforço muitas das vezes pedagógico dos seus quadros técnicos, procuram manter a perspectiva de realização de projetos metropolitanos. Os programas e projetos envolvem a elaboração de planos metropolitanos (São Paulo e Belo Horizonte), macrozoneamento, transportes metropolitanos (Porto Alegre, Curitiba), infra-estrutura urbana, especialmente saneamento e habitação. São recorrentes entretanto as ações locais a partir de projetos pontuais ou globais nos Municípios. São exemplos disso as assessorias para elaboração de Planos Diretores. Há também casos de ações dessas entidades fora dos limites oficiais da região, buscando-se às vezes escala política de investimentos eleitorais.
As questões relativas ao desenvolvimento econômico ora aparecem em projetos específicos (geração de renda, ampliação e fortalecimento da base econômica metropolitana) ora aparecem de forma subjacente em projetos nas áreas de meio ambiente, infraestrutura, etc. Na década de 90 acentuam-se as linhas de trabalho articuladas por organismos internacionais de cooperação, levando à montagem de projetos multissetoriais que não encontram enquadramento institucional correto na estrutura de secretarias da administração direta dos Executivos Estaduais, indo, via de regra, buscar abrigo nas entidades metropolitanas.
As formas institucionais de organização, os mecanismos e as práticas de interlocução entre os agentes implicados e as próprias metodologias de trabalho adotadas, entretanto, parecem não responder aos desafios de enfrentar a velocidade, as necessidades logísticas e os impactos sociais impostos pela globalização.
Relações entre os Agentes
O desempenho das chamadas funções metropolitanas exige das entidades um amplo esforço de articulação interna, dentro do próprio sistema governamental, e externa, com os agentes econômicos e sociais interessados na produção e no consumo do espaço metropolitano.
Formalmente existem órgãos colegiados em todas as entidades metropolitanas, conselhos, em geral. As estruturas remanescentes dos antigos conselhos consultivos e deliberativos, herdados da década de 70, quando ainda existem, não são mais acionadas. Caíram em total descrédito. Porto Alegre o Conselho de Prefeitos e Presidentes de Câmaras Municipais criado, ainda não havia sido instalado até fins de 1994. É fácil perceber o desinteresse de um Governo Estadual por este tipo de composição de Conselho vinculado a uma entidade estadual, sobretudo quando há disputas partidárias regionais em jogo.
Algumas entidades experimentam o trabalho de Câmaras Técnicas, casos do COMEC e da FIDEM. No COMEC de Curitiba, essa Câmaras incluem representantes de Governos, inclusive Prefeitos, entidades civis para a discussão de temas específicos. Algumas Câmaras são deliberativas, como a de desenvolvimento econômico, outras são consultivas, como a de meio ambiente. O mecanismo da Câmaras Técnicas é bastante flexível, podendo reunir.apenas organismos e entidades efetivamente interessadas em cada ‘pauta de discussão, além dos Prefeitos dos Municípios efetivamente envolvidos territorial e politicamente com os temas, ao invés do colegiado único para qualquer pauta. Em Recife há quatro Câmaras Técnicas criadas (Transportes, Meio Ambiente e Saneamento, Desenvolvimento Social e Desenvolvimento Urbano e Ordenação ‘do Território). As associações ou federações de associações de moradores figuram como participantes de conselhos e câmaras criados em algumas entidades metropolitanas. Em Belo Horizonte foi criada a Assembléia Metropolitana, formada por 53 membros, sendo 20 Prefeitos, 31 Vereadores e dois representantes do Governo de Minas Gerais. Os Prefeitos, entretanto, criaram a sua própria associação, a GRAMBEL.
O número de Municípios envolvidos nas atuais Regiões Metropolitanas do país vai de um mínimo de dois, como no caso polêmico de Belém, até 39, como no caso extremo de São Paulo. A rigor, se considerarmos apenas as áreas urbanas efetivamente conurbadas das Regiões Metropolitanas, a pressão das demandas em função do número de municípios envolvidos pode ser avaliada como menor. Nas “franjas” metropolitanas de algumas dessas regiões, vêm ocorrendo tentativas constantes de ingresso de Municípios periféricos nas atividades e programas das entidades, que querem se oficializar como integrantes das Regiões Metropolitanas. Ocaso oposto ocorreu no Rio de Janeiro, em 1987, com a saída voluntária de Petrópolis, em plena crise da FUNDREM. O processo de desmembramento de municípios dentro das Regiões Metropolitanas também tem sido razoavelmente intenso, implicando a multiplicação doa multiplicação dos agentes da esfera local de Governo nos fóruns colegiados das entidades. Isso nem sempre é visto como positivo devido ao tamanho grupo e às vezes a interesses pouco identificados com o fenômeno metropolitano. A participação dos Municípios nas atividades de planejamento metropolitano não é sistemática e, além das consultas e reuniões esporádicas, envolve ocasionalmente contrapartidas financeiras e de recursos humanos em programas e projetos.
No que diz respeito às relações com a esfera federal de Governo aponta-se um flagrante vazio institucional ressaltado pelas entidades metropolitanas. As relações das entidades com a esfera federal de Governo têm sido, nos últimos anos, esporádicas e assistemáticas, estabelecidas em função de alguns programas ou projetos. As entidades ressentem-se da falta de um interlocutor e articulador credenciado capaz de servir de referência para a condução dos assuntos metropolitanos. Nem de longe, porém, há expectativas de retomada do antigo modelo federal. Ao contrário, a saída de cena da figura tutelar do Governo Federal pôs fim à simetria, contribuindo para o surgimento de arranjos institucionais mais autônomos e ajustados a cada contexto regional.
As Fontes de Recursos
A base de sustentação financeira das entidades metropolitanas vêm sendo os recursos orçamentários dos Governos Estaduais aos quais estão vinculadas. Esses recursos, porém, visam basicamente manter as funções de sobrevivência das entidades. Os programas e projetos é que sustentam a realização das atividades fim, vinculadas, sobretudo, a projetos da cooperação internacional e do Governo Federal. As receitas próprias, quando existem, mesmo nas autarquias ou na única sociedade anônima das entidades(aEMPLASA), representam uma parcela pouco expressiva dos recursos geridos. Essas receitas próprias podem ser oriundas da venda de serviços ou de dados e informações publicadas.
A novidade, apesar de ainda não estar efetivamente em aplicação, são os chamados “royalties ambientais”. Por este princípio, um Município que venha, por exemplo, assumindo encargos ambientais gerados externamente (caso de poluição ou de aterros metropolitanos de lixo) ou, ao contrário, mantenha determinadas qualidades ambientais de interesse comum metropolitano (caso da preservação de mananciais) receberia algum benefício financeiro, via tributação (% de transferência do ICM por exemplo). Esse princípio, aplicado ao primeiro caso, pode ainda inspirar o repasse de recursos para subsidiar ações corretivas ou de controle por parte da entidade metropolitana.
O Processo Legislativo Recente sobre a Temática Metropolitana
A questão metropolitana volta a interessar aos meios acadêmicos e governamentais. Se o tema constitui uma preocupação relevante também para a população, nos termos em que é formulado nos meios oficiais, só é possível verificar a partir da percepção de vida cotidiana dos cidadãos. O fato é que depois da crise dos anos 80 a temática metropolitana ressurge ainda um tanto tímida.
Do ponto de vista estritamente político e legal, as atenções estão voltadas para as Assembléias Legislativas que se viram quase que obrigadas a tratar do assunto depois que a Constituição Federal atribuiu competência aos Estados para instituir Regiões Metropolitanas. As Constituições Estaduais, inspiradas pela Constituição Federal, pouco avançaram na definição de um aparato legal capaz de apontar saídas consequentes para os impasses atuais.
Os Estados do Norte, menos urbanizados, onde o fato urbano e metropolitano ainda é relativamente incipiente (AP, RO, AM, RR, AC), obviamente nada incluíram nas suas Constituições sobre a matéria metropolitana. Pernambuco, apesar de abrigar uma das mais importantes Regiões Metropolitanas do país, também nada mencionou sobre o assunto. Muitas Constituições simplesmente transcreveram as disposições da Constituição Federal, sem complementá-las. Alguns textos constitucionais se ocuparam em conceituar região metropolitana, aglomeração urbana e microrregião. No Espírito Santo, submeteu-se a criação de regiões metropolitanas e de aglomerações urbanas à consulta prévia, mediante plebiscito, às populações interessadas. Algumas Constituições fixaram critérios para a instituição de Região Metropolitana e de aglomerados urbanos.
Houve a preocupação, em alguns Estados, de se destacar a necessidade de preservar a autonomia municipal em qualquer alternativa institucional ser imaginada para a questão metropolitana. A Constituição da paraíba garante a participação da sociedade civil na gestão metropolitana . Pelo menos as Constituições do Rio Grande do Sul e do Paraná preocuparam-se com a sustentação financeira das atividades de organização, planejamento, execução ou gestão das funções públicas de interesse comum nas Regiões Metropolitanas.
Há ainda referências constitucionais às associações e aos consórcios intermunicipais como alternativas legítimas de resolução de problemas comuns, inclusive na prestação de serviços públicos.
No Espírito Santo, em Santa Catarina e no Maranhão há registros de esforços recentes de criação das Regiões Metropolitanas de Vitória, de Florianópolis e de São Luís, respectivamente. Em São Paulo, no Paraná e no Rio Grande Sul há projetos em tramitação nas Assembléias Legislativas visando à criação de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas no interior dos Estados. Nos Estados do Sul há, na verdade, uma preocupação com a regionalização do planejamento e das ações executivas de Governo, refletindo-se na atualização e no aperfeiçoamento da legislação sobre o assunto. Nem sempre porém essas iniciativas ou pleitos mostram-se efetivamente legítimos, apontando, muitas das vezes, para estratégias meramente político-partidárias regionais.
A Constituição Estadual do Rio de Janeiro dedicou dois artigos à questão metropolitana. O texto constitucional prevê a criação de um “órgão executivo e de um Conselho Deliberativo …. que incluirá representantes dos Poderes Executivo e Legislativo, de entidades comunitárias e da sociedade civil”, estes dois últimos a serem indicados pelo Governador, conforme determinou a Lei Complementar nº 64/90. Houve a preocupação de se fixar o princípio da autonomia política, financeira e administrativa dos Municípios que integrem agrupamentos do tipo metropolitano. Esses Municípios, entretanto, juntamente com o Estado, deverão cooperar com recursos para assegurar a realização das funções públicas e dos serviços de interesse comum. A Constituição do Estado do Rio de Janeiro, assim como a do Paraná, porém, consagra o princípio da compensação financeira para os Municípios que suportarem os ônus decorrentes do exercício de funções públicas de interesse comum.
Tópicos para a Montagem de uma Agenda Metropolitana
No momento em que se retomam os debates sobre a gestão metropolitana e se enfrenta o desafio de (re)formular estruturas e mecanismo institucionais que respondam ao contexto atual, vale a pena refletir sobre alguns aspectos do assunto. Tanto a experiência passada quanto os desafios do presente permitem antecipar algumas questões que seguramente estarão implicadas na agenda metropolitana deste final de década. A preocupação aqui não é tanto a de situar o trabalho diante dos chamados grandes temas do momento senão o de abordar alguns aspectos pouco explorados sobre o assunto.
1. O conceito de Pólo de Desenvolvimento influenciou o modelo institucional de gestão metropolitana implantado no país. A dinamização das áreas mais centrais das regiões metropolitanas instituídas, em face das suas periferias fracas (com exceção talvez de São Paulo), exacerbou a oposição núcleo/periferia. A teoria dos Pólos de Desenvolvimento foi buscar o seu correspondente institucional em Conselhos Deliberativos onde o único Prefeito participante com direito a voto era o da metrópole-núcleo. No caso do Rio de Janeiro, se comparado com São Paulo que tem a sua periferia mais equilibrada sobretudo economicamente com a metrópole, esse processo foi mais contundente. Vale notar que as novas centralidades surgidas nos últimos anos nos municípios conturbados com o Rio de Janeiro, por exemplo, pouco ou nada têm a ver com a ação do Poder Público. São frutos da iniciativa privada. Importa saber se diante do cenário de competição entre agentes e lugares será possível instituir um modelo de gestão que garanta equidade na repartição social e territorial das benesses do desenvolvimento. O que é efetivamente fundamental para instruir um modelo institucional de gestão metropolitana é a clara definição do objeto e do sentido da gestão (de quê, para quê e para quem)2.
2. As formas jurídico-institucionais pouco informam sobre o desempenho, êxitos ou vazios das entidades metropolitanas no Brasil. As diferentes formas encontradas (órgãos da administração direta, fundações, autarquias, S. A.) não se mostram decisivas na explicação dos resultados alcançados pelas entidades, que são fortemente influenciados pelo processo político da esfera estadual de Governo. Se a experiência passada se desenvolveu sob a égide da estadualização, hoje, as alternativas apontam para modelos de maior equilíbrio entre os agentes governamentais e não-governamentais na gestão dos assuntos metropolitanos. Além disso, mais do que enfatizar preocupações com o modelo institucional, é preciso aperfeiçoar a interlocução entre os agentes, os mecanismos de gestão e mobilizar expectativas concretas em tomo de um projeto metropolitano.
3. Os processos político-partidários tendem a atuar nas diferentes regiões do país, influenciando o desenvolvimento de práticas administrativas específicas na gestão dos assuntos de Governo. Cabe considerar esse fenômeno nas propostas de desenvolvimento institucional e de gestão metropolitana, apesar de que diferentes Governos de um mesmo partido podem apresentar práticas às vezes desviantes daquelas praticas tendenciais impulsionadas pela forma de atuar do partido. O fato é que se verifica uma correspondência entre práticas político-partidárias, formas de organização institucional e formas de ação sobre território.
4. Aponta-se um enorme vazio institucional na Administração Pública Federal do país, no que diz respeito ao desenvolvimento urbano, que se reflete na gestão metropolitana. Em que pese não haver nostalgia em relação ao modelo centralizador do passado, sente-se a falta de ações fomentadoras, articuladoras e facilitadoras do desenvolvimento metropolitano por parte do Governo Federal. No caso do Rio de Janeiro, há um duplo vazio institucional pois desde meados da década de 80 se desmontou a estrutura de gestão metropolitana que se tentava desenvolver com a FUNDREM, não se estabelecendo mecanismos minimamente substituidores. Essa orfandade federal em que foram atiradas as entidades metropolitanas, entretanto, deve ser vista como abertura para o desenho de formatos institucionais apropriados a cada região.
5. Não se aperfeiçoa a gestão metropolitana sem se aperfeiçoar a gestão local. Muitas das competências constitucionais implicadas na gestão metropolitana são atribuídas aos municípios. Se se quer fortalecer a autonomia local e melhorar o desempenho e a produtividade institucional e técnica do conjunto dos agentes atuantes no espaço metropolitano, há que se reconhecer o papel fundamental assumido pelos Governos locais (Executivo e Legislativo) na gestão dos assuntos de interesse comum.
6. Há uma contradição, pelo menos aparente! no fato de se experimentar, ao mesmo tempo , esforços de planejamento e de articulação intra-regional e iniciativas de desmembramento de Municípios nas Regiões Metropolitanas do país. De um lado, buscam-se formas de resolução de problemas comuns, superando-se a fragmentação político-administrativa representada pela divisão intermunicipal. De outro, fragmenta-se cada vez mais o espaço através da criação de novas entidades político-administrativas. Caberia pensar em estabelecer mecanismos que contribuíssem para conter a excessiva fragmentação político-administrativa do espaço metropolitano.
7. Verifica-se uma tendência de algumas Prefeituras de Municipios-sedes de regiões metropolitanas criarem estruturas de assessoramento e mesmo de ação de caráter “metropolitano”. Há nisto, ao que tudo indica, um duplo interesse. Por um lado, essas metrópoles procuram trabalhar pela articulação produtiva com a sua área de influência imediata. Por outro lado, costumam tomar a região como escala de ação política privilegiada do Município-sede.
8. A compreensão da questão metropolitana é limitada dentro da cultura política e administrativa da maior parte dos agentes políticos atuantes nas regiões metropolitanas. Á experiência mostra que a mobilização para a articulação metropolitana vem sendo diretamente proporcional à perspectiva de tomada de recursos pelos Municípios. Privilegia-se, muitas das vezes, a realização de obras e investimentos, em detrimento das funções de gestão ligadas ao planejamento, ao controle do uso do solo e à articulação produtiva visando compartilhar ações. No Rio de Janeiro, o agravante, se comparado com os Estados do Sul do Brasil, por exemplo, é a falta de uma tradição associativista que provoca enormes deseconomias dentro do sistema governamental. Ao que tudo indica, há um enorme trabalho pedagógico a ser feito nesse campo, visando caracterizar aquilo que efetivamente deve constituir a pauta básica do projeto metropolitano, que justifica a existência formal das entidades.
9. Os critérios marcadamente funcionalistas de delimitação e caracterização das regiões metropolitanas, por parte do discurso técnico e oficial, ofuscaram razões locais específicas de identidade e de auto-afirmação de imagem dos Municípios. Desde a nomeação das regiões metropolitanas pelo nome da cidade-metrópole, até o estigma criado em tomo das chamadas periferias, difundiram-se valores negativos sobre os municípios “periféricos”, que hoje se tenta mudar. Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, Niterói vem realizando um intenso trabalho para se requalificar positivamente no imaginário social que produz e consome a cidade. Vale lembrar que uma das razões alegadas pelo Município de Petrópolis para se desligar da região metropolitana foi um certo prejuízo de identidade causado pela afirmação da sua condição de periferia contra a sua tradição de Cidade Imperial e turística serrana.
10. Cada sistema urbano (água, transporte, drenagem, saúde) se espacializa de modo diferente dos demais, exigindo alternativas institucionais também diferentes, seja do ponto de vista dos Municípios envolvidos com o problema, seja do ponto de vista dos agentes e mecanismos de gestão implicados. Cada um dos sistemas urbanos e suas partes constituintes possui lógica própria e se distribui no território metropolitano de modo particular, segundo bacias (hidrográficas, de geração de viagens para os transportes) ou áreas de atendimento (como no setor de saúde, por exemplo). Isto quer dizer, entre outras coisas, que nem todo problema metropolitano é um problema de todo Município metropolitano. Escapar da simetria e adotar uma postura ativa na condução dos negócios metropolitanos, implica estabelecer fóruns de consulta e deliberação que envolvam os responsáveis efetivamente interessados em cada item da pauta metropolitana. A consideração desse fenômeno permite ajustar formas de gestão específicas a cada sistema urbano ou projeto a ser implementado.
11. A questão metropolitana está ausente do discurso dos formadores de opinião. A mobilização da opinião pública para o debate e a interlocução sobre os temas metropolitanos é fundamental para a formação e realização da pauta de atuação das entidades metropolitanas. No Rio de Janeiro, especialmente, em face da periferia relativamente fraca da região metropolitana e da inexistência de um organismo vivamente vocacionado ao tema, essa ausência é mais evidente.
12. O espaço metropolitano não é somente um espaço de solidariedade senão também um espaço de lutas e conflitos. Os esforços de articulação, compatibilização, complementação e unificação de políticas intra metropolitanas baseiam-se, evidentemente, na existência de interesses comuns. Sabe-se porém que determinados itens da pauta metropolitana costumam ser objeto de disputas entre agentes, sejam eles do sistema governamental, sejam do sistema não-governamental incluindo as empresas. Os esforços de gestão devem estar dirigidos à busca de acordos e compensações onde a melhor solução não atenda a todos favoravelmente.
1 Os estudos que resultam neste trabalho cobrem o período de 1973 a 1994.
2 Ver o conceito do espaço metropolitano considerado neste trabalho em FONTES, A. M. M., LOPES, A. C. e ALMEIDA, P. (Coords.). Subsídios para o desenvolvimento institucional e a gestão do espaço metropolitano do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, IBAM/CPU, 1995. v.7, p.16-20.
Publicado em: Gestão metropolitana: experiências e novas perspectivas. Rio de Janeiro, IBAM, 1996, p. 71-84.
