Em busca de um leme até o Pontal

No final de dezembro de 2015 postamos comentários sobre a marcha dos investimentos urbanísticos na cidade do Rio de Janeiro, com foco na indigência dos subúrbios. No mês seguinte foi inaugurada a Ciclovia Tim Maia, nomeada em homenagem ao autor da famosa música composta para celebrar o passeio extasiante de cariocas e turistas pela orla marítima, do bairro do Leme ao Pontal do Recreio dos Bandeirantes. O desabamento de um trecho dessa ciclovia, suspenso no costão rochoso da Avenida Niemeyer, apenas três meses depois da inauguração, reacendeu o debate sobre a complexidade e a pertinência das soluções de ligação entre as zonas Sul e Oeste da cidade.

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Em 1891 o engenheiro militar Conrad Jacob Niemeyer, fundador do Clube de Engenharia, lançou o projeto de uma obra de ferrovia que ligaria o Rio de Janeiro a Angra dos Reis pela orla, passando por São Conrado. Depois de iniciada a obra acabou encurtada e adaptada a um padrão rodoviário inicialmente de terra e pedra e depois pavimentado, dando origem à avenida que levou o nome de seu criador.

Mesmo a presença de pelo menos três favelas nesse trecho da orla – Vidigal, Rocinha e Vila Canoas – se inscreve no fato de ela abrigar hoje bairros dos mais valorizados da cidade. E, com a implantação do Plano Lúcio Costa para a Baixada de Jacarepaguá, a partir do início da década de 1970, em pleno boom imobiliário, intensificaram-se os projetos para dar rapidez ao trânsito nesse caminho. Aquele próprio plano priorizou os automóveis e a construção posterior do Túnel do Joá e das vias suspensas e sobrepostas em cada sentido de trânsito, de um modo ou de outro, sustentou a ligação rodoviária desse trecho da orla até os dias atuais.

A escolha do Rio de Janeiro como cidade sede dos Jogos Olímpicos de 2016 tornou essas ligações insuficientes o nó górdio da mobilidade esperada da cidade. E, de fato, a breve retrospectiva das propostas já implantadas para o acesso à Barra da Tijuca mostra desarticulação e tentativas espasmódicas de solução de um problema que talvez exigisse visão compacta e de mais longo prazo. De pronto, começou a ser executado nesse trecho da orla novo acesso por túnel, agora para a linha 4 do metrô, novas pistas suspensas para automóveis e a ciclovia projetada sobre a rocha íngreme junto ao mar. Vale lembrar que o marco legal vigente sobre ordenamento do uso e ocupação da orla marítima tem como princípio básico evitar construções na faixa dinâmica da costa, como é o caso da margem da Avenida Niemeyer exposta às ondas.

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O esboço preliminar de um aeromóvel imaginado pelo urbanista Jaime Lerner para a ligação entre Botafogo e a Barra da Tijuca, paralelo às vias já então existentes, não chegou a prosperar e não teria mesmo resistido à ressaca que derrubou a pista da ciclovia. Mas, esse estudo apontou o transporte coletivo como prioridade para o caso. Avaliando no longo prazo, para trás e para frente no tempo, essa ligação mereceria talvez um suporte viário único para múltiplos modos de deslocamento com prioridade de traçado para trechos dentro da rocha. Para quem tem as dezenas de quilômetros de paisagem que o carioca tem do Leme ao Pontal, alguns poucos minutos com a bicicleta dentro de um vagão de metrô cruzando a rocha dispensariam aquele puxadinho cicloviário que desabou.

O extenso complexo viário do estreito de Öresund, que liga Copenhagen, na Dinamarca, a Mölmo, na Suécia, foi projetado como um suporte robusto e completo de vários meios de circulação, incluindo uma ponte, um túnel e uma ilha artificial. Por medida de segurança a circulação só pode ser feita por rodovia ou ferrovia, mas as bicicletas são muito bem vindas à cabine do trem para os que querem seguir pedalando no país vizinho, sem prejuízo da bela vista da paisagem.

O carioca tem o direito de debater que obras viárias poderiam ocorrer nesse percurso do Leme ao Pontal. Tem o direito também de imaginar o que diriam a respeito o engenheiro Conrad Niemeyer e o cantor Tim Maia. E, diante do impasse sobre o que fazer com a estrutura em deterioração e dos custos de sua futura manutenção, a melhor alternativa pode ser sua demolição.


Publicado em Blog do autor em 23 de abril de 2016.
Foto de acesso ao artigo de Ricardo Borges / FolhaPress