A modernização demolidora realizada pelo Prefeito Pereira Passos, no início do Século XX, inaugurou um período de muitos planos urbanísticos e propostas de obras públicas modernas para o Rio de Janeiro jamais executadas. A ousadia é a marca da quase totalidade desses planos que esbarraram em estudos de viabilidade técnico-econômicos e prioridades de governos. A pertinência e a possibilidade de identificação simbólica de cada um deles com a imagem da cidade são difíceis de ser pré-avaliadas. A estátua do Corcovado e o bondinho do Pão de Açúcar são exemplos bem sucedidos. Enquanto, porém, nas áreas centrais abundam propostas atraentes, a periferia agoniza à espera do seu Cristo Redentor.

Imagine o Rio sem o bondinho do Pão de Açúcar e a estátua do Corcovado. Imagine agora que o prefeito da cidade anunciasse a realização dessas duas obras como iniciativas de seu governo. Certamente não resistiria à pressão das críticas e recuaria. O Rio estaria então privado dos seus indiscutíveis cartões postais.
Arroubos de invenção e fantasia costumam produzir o que as cidades têm de mais forte identidade. Que o digam os cartões postais. Paris tem a torre Eiffel, São Francisco a Golden Gate e Juazeiro do Norte, no Ceará, a incrível estátua de padre Cícero, mas haja determinação para construir tudo o que já foi pensado para o Rio.
As propostas brotam de várias fontes. Frequentam desde edições de revistas especializadas, jornais e seções de cartas dos leitores até conversas de beira de praia. Provoquem qualquer carioca que ele revelará seu projeto oculto para o Rio de Janeiro, intuído talvez num congestionamento de sexta-feira à tarde. Os campeões, porém, por força do ofício e levados às vezes por uma irresistível sanha de ousar, são os arquitetos. Cidades como o Rio de Janeiro sempre desafiaram os utopistas. Não bastassem o sítio e a paisagem exuberantes, sua história e sua cultura são cheias de fatos inspiradores. Acham alguns que não basta a cidade ser maravilhosa, é preciso ter maravilhas.
Há idéias para tudo, desde planos globais para a totalidade do território até propostas isoladas para lugares privilegiados da cidade. As preferências recaem sobre as montanhas e o mar. As soluções viárias também gozam de bom prestígio. A quase totalidade delas, porém, privilegia as áreas nobres da cidade. O bom humor do carioca, aliás, explica isso pela própria posição do Cristo Redentor, de costas para a zona norte e os subúrbios. Contribuição recente do professor Donato Mello Júnior, no seu livro Plano, Plantas e Aparências do Rio de Janeiro, anima o debate, documentando um grande número dessas propostas.

Depois da experiência haussmaniana do prefeito Pereira Passos, no início do século XX, o urbanista francês é quem faz o primeiro plano global para a cidade, em 1930. Trata-se de um Plano de Remodelação, Extensão e Embelezamento, bem ao gosto da moda francesa de então. O plano aproveita o desmonte dos Morros do Castelo de Santo Antônio, apagando definitivamente os vestígios arqueológicos do primeiro sítio da cidade. No aterro surgido, Agache propõe a construção da Entrada do Brasil. É aí que “as autoridades receberão as personalidades eminentes, que chegam por vapor ou hidroavião, as quais poderão desembarcar por meio de lanchas, diante da escada de honra emoldurada por duas colunas rostiais”. Agache percorreria depois várias outras cidades brasileiras, realizando planos semelhantes.
Na mesma época, Le Corbusier passa pelo Rio e, diante da movimentada topografia do sítio, propõe imensos edifícios ondulados serpenteando os morros e posados sobre pilotis num grande parque, onde havia bairros de ruas tradicionais, lotes, quadras e esquinas. Na cobertura desse enorme minhocão, uma autopista panorâmica.

Em 1965 é a vez de Doxiadis propor seu Plano para o Desenvolvimento Urbano da Guanabara. É talvez o plano mais abrangente realizado para acidade, ocupando-se inclusive da questão das favelas. O centro metropolitano deveria ser deslocado para Santa Cruz. Copacabana ganharia nova feição, com galerias comerciais suspensas sobre a Avenida Nossa Senhora de Copacabana, aproveitando o segundo pavimento dos edifícios. Sobre o Catumbi e a zona de prostituição projeta-se uma cidade nova, dando início a uma avalanche de demolições que deu no que deu. O carioca saudosista não perdoa e apelida o novo edifício da prefeitura de “Piranhão”. Projeto municipal recente, o pólo central procura recompor a ocupação da área, preenchendo os angustiantes vazios segundo padrões urbanísticos mais convencionais. O Catumbi, aliás, parece ter sido eleito laboratório de experiências urbanísticas do Rio. Tem túnel, elevado, conjunto do BNH e sambódromo. Só faltou o cemitério de dez andares, projetado em 1968 pelos irmãos Roberto, onde mortos seriam sepultados de pé.
A área portuária recentemente ganhou um novo projeto: um centro internacional de comércio, inspirado em experiências estrangeiras. A idéia é implantar, entre os armazéns do cais do porto, um conjunto de edifícios de escritórios, hotéis e lojas. Na Lapa, Affonso Eduardo Reidy projetou, na década de 1950, um centro cívico municipal e um centro comercial. Esse projeto, apesar da nítida inspiração racionalista, que evitava misturar usos, previa a construção de habitações junto aos Arcos da Lapa, o que os urbanistas vêm recomendando hoje para as áreas centrais. Reidy projetou ainda um conjunto de apartamentos para funcionários públicos na Gávea, construído parcialmente. Os desenhos mostram um grande edifício em curvas sobre pilotis, defronte a sete blocos prismáticos de apartamentos, onde está hoje o Planetário, separados pela auto-estrada que ligaria a zona sul da cidade à Barra da Tijuca, passando pelo Campus da PUC. Não lhe ocorreu certamente o arroubo e a desfaçatez de passar a auto-estrada por debaixo do seu edifício ondulado, como executado depois. Entre desapropriar imóveis de pobres e incomodar padres e ricos, o governo da época preferiu a primeira opção.
O Aterro do Flamengo, por si só uma das maravilhas da cidade, parece ainda não estar pronto, mesmo depois do tombamento. Além do inusitado Palácio das Artes, encomendado por Chagas Freitas, junto ao Museu de Arte Moderna e desafiando os calculistas com balanços de 50m, Niemeyer propõe construir torres nos gramados do parque para reaproximar o bairro do mar, como nos tempos antigos. Ganhou por isso a ira de Burle Marx, seu fiel paisagista. Niemeyer também propôs solução semelhante para os quarteirões de Copacabana, implantando as torres isoladas sobre os escombros da massa de edifícios que seriam demolidos para dar lugar a amplas áreas verdes.
Mesmo áreas nobres remotas da cidade ganharam seus planos. Logo depois de Doxiadis entregar o seu, Lúcio Costa é chamado a planejar a ocupação da Barra. O plano, de 1969, contesta a localização do futuro centro metropolitano em Santa Cruz, proposta por Doxiadis, e coloca-o no coração do plano piloto. Os edifícios aí terão no mínimo quarenta andares e no máximo setenta. O plano indica locais para o centro cívico, amplas áreas para equipamentos de lazer de caráter metropolitano, espaços para empreendimentos econômicos, além de áreas residenciais que deram origem aos famosos condomínios fechados. Lúcio Costa considerou ainda ligação da baixada de Jacarepaguá com a Central do Brasil, através do metrô, passando pelo Méier. Paradoxalmente, o mesmo plano, que se inspira na interligação natural da Barra ao Rio, serviria como bandeira para a tentativa de emancipação da área como novo município. Na televisão, a propaganda dos emancipacionistas tentou criar uma imagem de Beverly Hills para a Barra, enquanto as favelas, já há bastante tempo, ocupavam as entrelinhas da ocupação seletiva da área.
A Cidade Universitária também foi objeto de muitos planos não executados. Um deles famoso, de Le Corbusier, na Quinta da Boa Vista, outro de Lúcio Costa, prevendo o conjunto de edifícios da universidade sobre estacas, flutuando, na Lagoa Rodrigo de Freitas. Para a lagoa, aliás, há uma antiga proposta de sumido empresário Sérgio Dourado. Diante das sucessivas mortandades de peixes, a solução teria que ser radical: aterrar a lagoa. Depois de “socializar” Ipanema com inúmeros lançamentos imobiliários, inventando a socialização horizontal, Sérgio Dourado oferecia aos cariocas a oportunidade de morar literalmente na lagoa. Enquanto o empresário não reaparece, Paulo Casé propõe para a lagoa ilha artificial flutuante, deslizando guiada por cabos de aço, para shows noturnos.
Para o sistema viário e os transportes da cidade já se pensou em tudo. Sérgio Bernardes propõe, por exemplo, mais de 100 km de “anéis de equilíbrio”, na cota 100 dos maciços da Tijuca, Pedra Branca e Engenho Velho. Tais anéis fariam a ligação interbairros, eliminando o tráfego de passagem atual, que inferniza a maioria dos bairros cariocas. Os ecologistas gritam e a discussão sobre os custos da obra sequer permite avaliar sua pertinência. As chamadas linhas coloridas rasgam o mapa da cidade em todos os quadrantes. Os trechos executados deságuam tráfego intenso em bairros que aguardam a continuação das obras, abrindo caminho para tráfego expresso de passagem. Um bom exemplo é o túnel Noel Rosa, que liga Vila Isabel a Triagem.

Monotrilho já deu o que falar. Há planos desde as primeiras décadas do século XX. O primeiro é de 1937, da Companhia de Transportes Planaéreos. Os mais recentes são do primeiro governo Chagas Freitas, com consultoria japonesa, e de Jaime Lerner. Lúcio Costa também considerou no plano da Barra a ligação da área com o Galeão através de monotrilho. Na mesma linha do transporte de massa aéreo, Paulo Casé propõe monobondes interligando os grandes condomínios da Barra. Sobre as linhas férreas, Sérgio Bernardes propõe “um mundo novo para a população favelada”. Uma auto-estrada suspensa sobre a ferrovia articularia um grande eixo polivalente onde haveria apartamentos populares, comércio, shoppings e equipamentos públicos. Os terraços inclinados dessa grande construção linear abrigariam hortas exploradas empresarialmente, para reforçar o abastecimento da cidade. Jaime Lerner, mais pragmático, estuda o entorno das estações de trem, propondo valorizá-las com shoppings e passarelas elevadas, a fim de resolver graves conflitos de acesso de pedestres às plataformas. As ciclovias, que andaram na moda na década de 1970, também tiveram a sua vez. Foram projetados vários circuitos cicloviários, formando uma grande rede na cidade com os respectivos bicicletários.

O metrô teve vários projetos abandonados, inclusive de Agache, e, apesar dos trechos já implantados, continua sendo uma miragem para o carioca. As obras foram retomadas, mas até podermos ir a Niterói através do túnel subaquático projetado é possível que os sucessivos aterros, dos dois lados da baía, permitam a ligação por terra firme. Para quem não gostou dessas alternativas há também o projeto de uma ponte turística ligando Leme ao Gragoatá, do outro lado da baía, com cinco hotéis no seu percurso. A condição de bairro de fim de linha do Leme, aliás, já foi ameaçada pelo projeto de sua ligação com a Urca, pelos penhascos voltados para o mar. A ideia trombou com os militares instalados na Praia Vermelha. A tranqüilidade da Urca anda ameaçada também pelo plano de construção de uma pista para jatos no Aeroporto santos Dumont, que poderá aumentar o nível de ruído no bairro, na rota de decolagem. Temo ainda pelo Pão de Açúcar, situado na mira dos aviões.

Par o mar e a orla há também outras maravilhas projetadas. A paria de Copacabana, por exemplo, segundo Niemeyer, seria transformada num Champs Elysées arborizado. Ganharia três conjuntos de hotéis cilíndricos, de trinta andares, implantados sobre a areia da praia e interligados por grandes marquises onduladas, abrigando comércio voltado para o lazer. Ilhas artificiais nos extremos da praia, além de controlar as marés, conteriam clubes náuticos e colônias de pescadores. Sob a areia da praia e as praças há um eterno projeto para construção de garagens subterrâneas. Paulo Casé, além de Copacabana, estende seu Projeto Mimético até Ipanema e Leblon, uma idéia de construção de pequenos oásis de comércio, organizados em cooperativas e voltados para o uso da praia. No mar, defronte ao Jardim de Alá, Sérgio Bernardes projetou o Lagocean, um complexo marítimo, turístico e cultural com três andares submersos, como parte da estratégia para resolver o problema da mortandade de peixes da lagoa Rodrigo de Freitas.

Ainda de Sérgio Bernardes, mais dois arrojados projetos: um hotel em ilha artificial junto a Paquetá e o porto-canal. Este último projeto interligaria as baías de Guanabara e de Sepetiba através de rios e canais existentes, ampliados por trechos abertos artificialmente. O corredor de 61 km formado seria o Shopping Center do Universo. Os navios passariam em mão única, conduzidos por tracionadores elétricos. Ao longo do percurso seria instalada uma grande feira permanente de indústrias de transformação agrícola.
Restam serem mencionadas inúmeras propostas para prédios isolados, alto de morros e monumentos da cidade. Na Cinelândia, o Palácio Monroe, antes de ser criminosamente demolido depois das obras do metrô, que fez uma curva exatamente para preservá-lo, já havia sido ameaçado pela construção do novo Senado, uma pirâmide de 30 andares, projetada no início da década de 1950 por Sérgio Bernardes. O local, aliás, parece ser maldito, pois ainda tentaram preencher o vazio deixado pelo Monroe com um monumento a Getúlio Vargas, projeto vencedor num polêmico concurso. O monumento não foi construído e, mais uma vez, um chafariz migrante da cidade mudou de lugar para ocupar aquele espaço. Ironicamente, o local se chama Praça Mahatma Gandhi.
Para o Aterro do Flamengo há o monumento Tortura Nunca Mais, de Niemeyer. No antigo campo do Botafogo, um conjunto de oito torres perfiladas junto a um campo de futebol suspenso faria a salvação financeira do clube. Em volta do Pavilhão de São Cristovão, onde se arma a famosa Feira Nordestina, já pensaram em construir um conjunto de hotéis, escritórios e feira permanente. A Igreja da Candelária seria assentada sobre uma engenhosa plataforma giratória para ter sua entrada virada para a Avenida Presidente Vargas, tudo sem prejudicar o edifício.
A sanha criativa não poupou nem mesmo o próprio Pão de Açúcar e o Corcovado. Para o Pão de Açúcar, um horrendo mirante envidraçado, com serviços de apoio, foi projetado e causou espanto, devido à massa construída prevista para o topo do morro. No Corcovado, uma grande cruz, com elevador embutido, seria plantada em cota mais baixa que o Cristo e ligada á base da famosa estátua por passarelas. O artifício evitaria as escadarias.
A construção dessas obras costuma ter época e governos certos. Muitos fatores se combinam para sua concretização. Uma vez implantadas, só o tempo revelará sua pertinência e identificação simbólica com a cidade, como no caso do Pão de Açúcar e do Cristo Redentor, que, aliás, foram construídos por iniciativas não governamentais. A profusão de planos e projetos espanta, porém, pela sua redundância, em geral, em áreas já bastante privilegiadas por investimentos públicos. O governo Tamoyo, por exemplo, reurbanizou a orla da Lagoa Rodrigo de Freitas, construiu a Marina da Glória, o Mirante do Pasmado, o Parque da Catacumba, sobre o sambaqui da favela de mesmo nome, e muitas outras coisas na zona sul. Enquanto lançava apenas a pedra fundamental do Parque Moça Bonita, em Bangu, fechou seu governo construindo o Parque Garota de Ipanema, que também lembra uma moça bonita, mas que não teve a falta de sorte de nascer em Bangu.
A indigência ambiental da periferia contrasta com a excitação futurista de planos para as áreas centrais. Para resolver tal dilema, proponho uma derradeira ideia conciliadora: um Cristo giratório no Corcovado, distribuindo bênçãos urbanísticas equitativas para toda a cidade.
Notas
1) Esse artigo foi originalmente publicado com 32 figuras de ilustração.
2) A bibliografia e as fontes das figuras de ilustração saíram publicadas no original de 1989 de forma incompleta, sem possibilidade de recuperação de todas as citações.
3) Vale observar que na sua história o Rio de Janeiro experimentou alguns grandes cortes nas suas transformações urbanísticas. Em 1763, quando o Rio vira capital do Estado do Brasil; em 1808, com a vinda da família real portuguesa para o Brasil; no início do século XX, com a abertura da Avenida Central pelo prefeito Pereira Passos e; na primeira metade da década de 1960, logo após a transferência da capital para Brasília. O momento da cidade é, uma vez mais, de grandes mudanças, com os investimentos que se fazem no Rio de Janeiro para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Mas, isso é assunto para outro artigo.
Publicado na revista Projeto, São Paulo: Projeto Editores Associados, nº 122, jun. 1989, p. 167-180. Seção Ensaio & Pesquisa.
